segunda-feira, 29 de março de 2010

O sustentável peso da vida

Ele lia calmamente. Apenas intercalava a leitura a uns tragos no cigarro. Batia a cinza suavemente e outra vez se concentrava no livro. Eu tinha reparado logo de cara. Ele tinha, assim, um brilho em algum lugar. Mas achei que tinha sido só pelo esbarrão que demos no saguão do hotel.
Eu vinha de um lado, ele na direção oposta e... pá! Demos de cara e ficamos sem graça. O elevador estava no último andar e o calor me deixava mais tensa do que de costume. Ele olhava disfarçadamente, de rabo de olho e com o queixo abaixado.
A gringa entrou primeiro. Eu fingi uma distração e ele foi entrando também. Depois a gringa apertou o andar. Eu me encolhi junto aos botões.

- Licença - ele disse cheio de charme com um sotaque que, imagino eu, era de Minas.

Subi nervosa até o quarto andar. A gringa saiu engolindo a casquinha derretida do Mc Donalds.
Até o sétimo seria apenas uns 20 segundos. Não consegui esboçar nada... Joguei um charminho pelo espelho, fingi procurar algo na bolsa, balançando o cabelo e segurando o óculos com a haste na boca.
Ele olhou de rabo de olho e queixo abaixado...

...

A piscina estava uma delícia. Deitei na espreguiçadeira, liguei o fone e relembrei bons momentos.
O sol torrava meu corpo e eu apenas relaxava despreocupada.
Passei uma hora assim, ou até mais. Nem sei. Levantei para ir ao banheiro e me deparei com o título: "A insustentável leveza do ser".

Voltei do banheiro e o vi ali. Sentadinho num canto, espremido entre as plantas, ignorando o mundo ao redor.
Olhei de novo.

- Oi.

- Oi.

- Hum... "A insustentável leveza do ser"!

- É...! Você já?

- Já. Algumas vezes. Gosto muito. Milan Kundera. Grande escritor. Foi proibido e tudo.

- É! Você conhece?

- Sim. To lendo um outro dele. Esqueci o nome agora. Dei um tempo porque fiquei chateada com o final da história do cara com a menina... Dei um tempo...

- Sei...

Nossa! Eu nervosa falava muito. Não continha nada. Tentava me conter, mas era difícil.

- Você não é daqui...

- Não. Sou de

- Sei... E você tá lendo Milan Kundera.

- É! Hehehe... Muito bom.

- De capa dura! Para poucos... Adoro homens de capa dura.

Ops! Livros, ai, deus, desculpa, pensei em dizer. Mas não deu tempo. Ele ria graciosamente.

...

- Você não quer?

- Hum... depois do livro, lógico!

- Esse livro tem história...

- Tem mesmo. Pra todos, né!

- É...! A sua...?

- Talvez diferente da sua. Não tem capa dura...

- Hahahaha. Você quer?

- Hum... Vamos?

...

Descobri que é na insustentável leveza desse ser, parafraseando Milan Kundera, que a gente reconhece as ironias do destino, capazes de sustentar o peso da vida. Às vezes a sério, às vezes de brincadeira.

Gig

Me proíbo de dizer qualquer palavra velha.
A partir de ontem, tenho vocabulário novo.
Cheio de expressões que não consigo disfarçar na face.
Saturada de verdades, assumi:
Estou amando essa nova versão de identidade
Que uma vez achei ter perdido pra sempre.
Estou de certa forma totalmente apaixonada.

Delícia

Predominantemente egoísta.

sábado, 27 de março de 2010

Doente

À beira da cura um soco no estômago.

Egoísta

Retiro todos os meus elogios
E reitero com força a minha máxima egoísta.
Se for pra doação absoluta
Que seja meu próprio corpo o fruto desse vício.
Parei de brincar nessa luta.
Antes me jogar nesse precipício
Porque ao menos sozinha
Sei quando tudo é verdadeiro
Conheço bem quem vem em primeiro
E não esqueço de dar bom dia no dia seguinte.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Fantasia

- Não?

- De leve, assim, ainda um pouco...

- Só um pouco?

- É. Só quando eu tento...

- Tenta o que?

- Você sabe...

- Sei não.

- Como não. Você já deve ter passado por isso antes.

- Não, nunca! E nem pretendo!

- Nossa, amor! Que horror!

- Amor? Como você me chama de amor numa hora dessas?

- Desculpa. Quebra o clima né! Nada a ver...

- Nada a ver mesmo. Agora  a gente vai ter que começar tudo de novo, linda!

- Linda? Linda é o cacet...!!!!

- Nossa! Pra que tanta agressividade nesse tom de voz?

- Você não queria assim? Reclamou do meu "amor"?

- Um pouco. Mas era mais pra fazer charminho.

- Pois então bem feito pra você! Porque agora nem com charminho, nem sem charminho, a gente vai até o final nisso aqui!

- Até o final você vai e eu não quero nem saber!

- Vai me forçar?!

- Não era esse o combinado?

- Não! Nããão e não!! Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!


...


Acenderam o cigarro e dormiram lado a lado.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Carta póstuma do amor

Pode me chamar de maluca. Louca ou qualquer coisa.
Mas a cada dia gosto menos de você. E a cada dia que gosto menos de você, tenho mais saudades de gostar de você.
Nunca tivemos nada certo. Nunca nem tivemos qualquer coisa. Mas é como se gostar de você fosse o suficiente pra eu gostar mais de tudo.
Eu não sei o que fazer agora, que já não gosto tanto de você.
Tenho medo de não gostar de mais ninguém. Tenho medo de gostar de alguém que não tenha as suas qualidades. Que não seja tudo aquilo que eu gostava em você. (e que ainda gosto, de alguma maneira).
Tenho medo de gostar de alguém que não saiba rir. Ou que não goste nem um pouco de dançar valsa.
Ou de alguém que reprima minha boemia.
Tenho tanto medo de amar errado...!
E por mais que não tenha dado nada certo, sei que de alguma forma acertei em ter te amado.
Nem que seja pra, na próxima vez, amar um novo não-namorado.

Ainda morro de medo de te ver com alguém do lado.
Mas quando imagino você por perto, não sei o que sentir.
Sinto um vazio por o "a gente" não ter existido... 
Mas me acalmo quando sei que essa ausência foi de certa forma uma presença.

Tenho medo de perder a essência do que senti por você.
E tenho muito medo de você esquecer de tudo que não tivemos.
Tenho medo de nunca mais amar o amor.

Mentirinha

Vivo vivendo o amor
Que na minha vida
Tem enorme valor.
Mesmo que sem dono...
Ou até depois da dor
E depois do abandono!
Vivo vivendo o amor.

Na sequência dessa dividida
Cheia de tanto louvor
Esqueço de fechar a ferida.
Sempre em busca da partida,
Repito novamente o amor
Que finjo amar nessa vida.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Felicidade

Felicidade é músculos doendo.
Roxos pelo corpo.
Momentos inesquecíveis.
Olhar no espelho e rir à toa.
Lembrar de coisas que nem sei.
Achando graça em piada boba...

Não ter como descrever
Que foi o melhor do mundo!
Nem conseguir prever
Algo maior e tão profundo
Quanto a vontade de repetir tudo
Agora, amanhã e depois...
Pra sempre!

terça-feira, 2 de março de 2010

Egoísta

Do meu tempo vivo muito.
De tudo quero muito.
Não espero companhia,
Nem quero ninguém ao meu redor.
Quero chegar em casa no fim dia
Sem ter que ligar ou preocupar alguém.
Não sei porque chego a tanto desdém,
Mas tenho sido bem feliz assim:
Totalmente egoísta.

Jeito

Uns viveriam de dinheiro,
Outros fariam da vida um rodeio.
Alguns diriam que tudo é certeiro:
Não tem hora pra recreio.
Tem gente por aí sem recheio...
Que esquece o que é ser inteiro.
Que vive a vida no ponteiro
E até que descobre a luz em um isqueiro.
Mas eu não sou desse meio.
De gente que rima pão com centeio.
Ou que ignora a que veio.
O que importa nesse roteiro
Mesmo que eu não acerte em cheio,
É que seja do jeito que for,
O meu único desejo
É viver pra sempre de amor.
 

Pregão

Achei a solução
Pra parar de ter tanto sonho vão.
Decidi de uma vez,
Que pelo menos essa noite, não!
Não vou dormir!
Vou ficar acordada,
Com os olhos fora d'água
Esperando o dia amanhecer.

De mim mesma

Lá no fundo percebo que ainda sobra
No meio de tanto vício,
Fugindo das desovas
Após cada doença,
Que ainda me resta um resquício.