quarta-feira, 4 de março de 2009

O jovem e a lagoa

Levantou às 5h da manhã. Não era preciso acordar mais cedo. Morava à beira de seu sustento.
Requentou o café da noite anterior. Não tinha muitas frescuras. Da geladeira, pegou um sanduíche e uma maçã, além de uma garrafa d'água.

Os dias não tem sido bons. Na época de seus pais, a fartura não era excessão. Agora, se conseguisse um peixe para o jantar já se davapor satisfeito.

Às 6h, seu companheiro chegou de barco à sua casa. Havia meses que o seu estava quebrado. Mas, sem uma boa pescaria, por enquanto tinha apenas metade do dinheiro necessário para consertá-lo.

Colocou suas coisas no barco, pegou as iscas, enterrou-as no isopor repleto de gelo. Seu amigo haia deixado tudo preparado, pensou.
Umas poucas remadas e eles já estavam longe de casa.

Aquela lagoa lhe parecia maior. Mas, hoje, talvez, pela quantidade de poeira elixo, ou apenas pela recordação infantil, havia menos água por ali. Remaram um pouco mais. De um lado, um, e do outro, o outro, esticaram a rede, tantas vezes remendada, e lançaram-na. Como em uma dança, em um teatro mímico, nenhuma palavra foi proferida. Olharam juntos para o afundar das cordas, contaam o tempo em silêncio:

"1, 2, 3, 4, 5"

Puxaram a rede para a superfície. Umas algas de água doce presas à trama nem lhes enganaram. Nenhum peixe. De costume.

Retiraram-nas e lançaram a rede novamente à submersão.

...
A manhã foi passando nesse tão usual exercício. E a inexistência de resultados às vezes o fazia crer que o ofício de pescador era coisa do passado. Assim como outras profissões haviam sido extintas, os pescadores, e os peixes da lagoa, também estavam.
Passav das 12h quando decidiram almoçar. Ancoraram o pequeno barco sob uma árvore e comeram suas provisões. Lembrou-se do tempo de seu pais, quando comia peixes frescos, recém assados sob aquela mesma sombra.
- É... Os tempos eram bons... - disse o amigo, assustando-o com a sua telepatia inesperada.
Percebeu-se outra vez espantado. Seus olhos estavam cheios d'água. Mais água do que jamais lhe caíra antes.
Telepatia era outra coisa que não havia por ali.
Enxugou o rosto com vergonha e engoliu o que restava de comida em suas mãos.
Pescar era um trabalho para os fortes, os pacientes. Os saudosistas?! Esses é que ficassem à beira contemplando uma lagoa que brilhara sob o sol de outras tardes.
Enquanto o sol se punha, os remadores treinavam, corredores se aglomeravam na ciclovia e ele e seu amigo lançavam a rede em uma nova tentativa.
O mesmo efeito para o mesmo ritual.
E, então, ao fnal de uma jornada de poucos metros cúbicos e muito silêncio, percebeu que nem todos os dias lhe trazem peixes. Retornaria à sua casa.
Ao amigo, agradeceu pela companhia sem expressar som. Nada mais era necessário dizer essa noite.
Amanhã, quem sabe, a maré encherá a lagoa. E os peixes, talvez, venham banhar-se em sua rede.

Efemeridades da vaidade - A viagem

Ele chegou em casa e a encontrou na cozinha.

- Eu tava pensando sobre o qe você me disse ontem. E, sei lá...Você deveria viajar... Sair por aí... Sei lá, ir pra Espanha...

Quando disse isso, mal ele sabia que esse era o destino dela.

- Mas, e a gente?

- A gente, ué... Sei lá.. O que tem a gente?

- Ué... Eu também não sei. A sugestã foi sua.

Ela jogou toda a culpa de uma suposta crise na relação por causa da sugestão dele. No entanto, com a passagem comprada havia dois meses, a dúvida não era sobre o que seria deles, mas sim o que seria dela quando tivesse que voltar à realidade.

- Olha... Eu quero ser compreensivo. Você vive reclamando que eu não entendo os seus problemas. Pois, então! Vá viajar, ver o mundo! Novas experiências vão te ajudar.

- É que... Sei lá, sabe!

- Não...não sei, não! Você tá com medo do quê?

- Eu? Só to insegura... Só isso...

Quando comprou a passagem, ela sabia que haveria consequências. Tanto as boas, quanto as más. E agora, cara a cara com o momento menos aguardado do século, já não sabia mais de nada. Seria a sugestão dele uma maneira educada de dizer "ei, não te quero mais!"?

- Insegura com o que?

- Sei lá...Você vira do nada e me manda ir pra Espanha assim, sem mais nem menos!

- Mas, meu amor, você sabe qe eu não posso viajar com você... E, além do mais, você sempre diz que para ser uma escritora tem que gostar de sua própria solidão. Nada mais justo você

- Nada mais justo, o que? Eu passar um ano sozinhaem Barcelona? E deixar você aqui, pra ir passar um Canaval de 365 dias sabe deus onde?

Ela adorava virar o jogo. Se livrar da culpa por decidido algo que não saberia se seria capaz de arcar. Era uma mania egocêntrica. Ou talvez apenas inconsequente. Sem tremas.

- Você me tira do sério.

- Se você quer acabar comigo, vira e fala logo de uma vez! Que aí eu vou mesmo pra Espanha enquanto vcê vai pra

- Cuidado! Cuidado cm o que você vai me falar... Já discutimos isso antes!

- Por que? Você vai gritar comigo? Vai me bater?

- Não. Mas pode ser o fim.

- Tá vendo!! Depois eu é que sou estressada! Ou como você prefere dizer, NEURÓTICA! Se queria acabar comigo, tá conseguindo. Porque eu é que não vou mais tolerar isso!

- Isso?! Um cara que pense no que é mehor pra você mesmo que não seja melhor pra si mesmo?

- Eu simplesmente a-d-o-r-o quando você se faz de bom samaritano!

- Debochada.

- Xinga, vai! Pooooode xinga! Porque no fundo essa sua atitude de hoje só mostra o tipo de homem que e NÃO levaria comigo pra Espanha!

- Você fala até como se já tivesse decidido ir.

- Pois fique sabendo que eu já decidi, sim! E muito antes de ter que participar dessa crônica em tempo rea!

- Você é

- Fala! Engoliu a língua?

Ela respira. Ele respira. Os dois bufam. Em silêncio. Ele abre a boca, mas não fala. Abre de novo. Toma coragem e continua:

- Hunpf, amor. Amôor...

- Que é?

- Eu não quero que você pra Espanha... Eu só estava tendando ajudar. Você sabe que você é a mulher da minha vida.

- Tarde demais.

Ela sai enfurecida, mas um tanto quanto feliz. Fora da cozinha, na sala, suas malas a aguardavam.
O interfone toca e ele atende.

- Sr. Alfredo, já posso subir pra pegar as malas? O taxi tá aqui embaixo.

- Taxi?

Alfredo chuta a porta da cozinha e vê, na sala, apenas um lenço branco no chão.