segunda-feira, 30 de março de 2009

Ainda, mas nada

Quando ele ressurgiu, meses depois daquele dia, eu gelei. O telefone tocou e a foto apareceu no visor. Era um amigo dele.

- Você tem visto o Pedro?

Fiquei meio sem jeito. Eu não sabia do Pedro desde que havíamos discutido pela última vez. Ele estava fora da minha vida, ao menos fisicamente.

- Não.

Fui seca. ão por raiva ou ressentimentos, mas por receio de demosntrar um resquício qualquer de emoção.

- Hum - ele continuou - É que amanhã é aniversário dele e...

- Ah, sim. Já tinha me esquecido.

Como se eu fosse capaz de esquecer. Às vezes eu detesto a minha memória. Tenho vontade de enfiar uma borracha pelo ouvido e apagar un fatos, datas e dados do meu cérebro.

- Pois, então. A gente tá organizando uma festa surpresa. Vai ser aqui em casa, às oito.

- Sei... Mas...

- Mas, o quê? Eu sei que você é uma pessoa madura e pode muito bem confraternizar com ele sem problemas... Tem tempo.

Golpe baixo. O amigo, publicitário de uma importante agência, sabia convencer alguém pelo ego. Aliás, foi com essa técnica que apresentou-me o Pedro, anos atrás.

- Guilherme...

- Ótimo! Te espero lá. Beijos - ele desligou.

Ainda fiquei uns minutos parada dentro do carro no estacionamento do trabalho. A hipótese de encontrar o Pedro me deixou completamente nervosa. Sentia meu corpo tremer como quando fazia minhas primeiras entrevistas coletivas. Hoje, pessoa pública com livros traduzidos em oito línguas, não entendia aquela ansiedade. Mas sabia que era preciso comprar uma roupa nova.

Cheguei em casa após comprar uma saia e uma blusa sociais, no estilo executiva, "mulher ocupada". Não conseguia dormir. Duas horas de palavas cruzadas depois, embalei no sono.

...

Às sete da noite do dia da festa eu já havia encerrado meu expediente. Dali para a casa do Gui seriam apenas 15 minutos. Passar em casa antes, no entanto, não era uma opção. A minha maturidade se limtava a ter empre uma boa desculpa como "preciso ir. Estou tão cansada! Nem tive tempo de tomar um banho antes de vir para cá". Pronto. Em caso de pane, a saída de emergência abrirá automaticamente.

Cheguei lá às 21h, depois de comprar uma garrafa de Grey Goose de presente. Entrei na cobertura. Uma mesa de frios, sanduíches e petiscos estava convidativa, mas eu mal conseguiachegar perto. Um enjoo me atacava.

Procurando por Pedro, deparei-me com o João. Nos cumprimentamos corados e trocávamos frases prontas quando Pedro apareceu.

- Oi, Pedro. Parabéns. Trouxe para você.

Virei de costas sem ouvir resposta. Me dirigi ao bar e virei um copo qualquer. Ele veio atrás.

- Fernanda, obrigado. Minha vodka preferida.

- De nada.

- Quanto tempo... Você está bonita. - disse, seco, contendo-se ao máximo.

- De onde você conhece o João?

- Ele está trabalhando comigo. Entrou há´pouco tempo. Por quê?

- Nada. Nada. Besteira, nada... - nervoooosa.

Ele percebeu. Estava estampado na minha testa.

- Quando foi, Fernanda? Fala logo.

- A gente não tinha mais nada. E você nem conhecia ele ainda. Relaxa.

- Relaxa???? -ele ria sem graça, não ria, ria sem graça, não ria...

- Nem foi nada demais...

Ele saiu e me deixou ali, sozinha. Virei mais um copo. De longe ele ficava me encarando, como se a conversa dele estivesse animadíssima. Fingia risos pateticamente.
Desorientada, fui para a varanda tomar um ar. Olhei no relógio. Eram nove e vinte. Em tão pouco tempo eu já tinha sido capaz de fazer muito.

- Fernanda?

- Guiherme! - alívio!

- Sozinha aqui fora, por quê?

- Eu sabia que não deveria vir hoje.

- Ahn?

- O Pedro tá irritado. Eu tive um caso com o João. Ele descobriu e se irritou.

- Mas, como? Quando?

- Ai, Gui... Que diferença faz? Você sabe como é o Pedro. Desconfia de tudo e depois quer voltar atrás. Pede desculpas e acha que tá tudo bem. Não entendo. Ele que terminou comigo. Ele que me humlhou e pediu que eu não procurasse mais por ele. Por que você me convidou, hein? Nem sei como eu ainda...

- Mas o Pedro também...

O Pedro entrou na varanda. Abaixei a cabeça.

- A campainha tá tocando - Guilerme saiu.

- Pedro

- Fernanda, eu...

Ele se aproximou e eu recuei. O que diabos ele quer? Um felizes para sempre? Depois de tudo?

- Fernanda, eu t...

Ele não conseguia verbalizar. Não saía. Eu queria ouvir que ele ainda sente o mesmo, que tá arrependido de muito. Queria provar que todos os clichês fazem sentido.

- Desculpa. Eu ainda... Você? Eu, ainda.

E clou-se. Fechou a boca, olhou para baixo, apertou os olhos. Eu adorava quando ele apertava os olhos daquele jeito. Parecia que quando os abrisse novamente, tudo ao redor desapareceria e seria só nós. Nós e aquele sorriso. E o meu sorriso.
Mas dessa vez, não. Abriu os olhos, olhou nos meus e calou-se de novo. Calou-se repetidas vezes, mesmo em um silêncio contínuo, conseguia calar-se em múltiplos.

Ainda encarei por um tempo os seus olhos. E, nada.
Peguei minha bolsa atrás de mim. Olhei nos olhos dele. Lá no fundo.

- Preciso ir. Estou tão cansada! Nem tive tempo de tomar um banho antes de vir para cá. - consegui exprimir.

No caminho, empalmei uns sanduíches, chamei o elevador e bati a porta. Fim.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A decisão

Passados horas, dias, noites e insônias. A inquietude, a ansiedade, inerentes à sua personalidade estavam em maior vigor desde a proposta. O pedido causou uma agitação não esperada.

Caminhou sozinha. Andou por novos espaços. Provou sorvetes diferentes.
Duvidou da prórpia maturidade.

...

Ele havia viajado a trabalho por uma semana. Quando retornou à casa, cheio de saudades e de calor, buscou correndo ela pelos cômodos.

Ela não estava. Poderia ter ido ao super mercado, à academia, ou qualquer outra rotina. Pegou suas malas na porta e viu o bilhete ainda exalando a tinta da caneta.

"Temo. E é por amar demais que desfaleço. Por não compreender limites e por não ter um pingo de razão. Sei que não é boa hora. Mas ainda que seja melhor do que tarde. Não cabe em mim tanto sentimento. E é preciso largar-te a imaginar a hipótese de um dia perder-te. Vida longa."

Caiu ao chão e viu a aliança sobre a cômoda.

O pedido

Ele nunca havia entendido o motivo, até aquela manhã. Ao sair de seu sobrado para tomar o café-da-manhã não imaginava que iria desvendar o mistério de sua vida. Anos atrás, quando ainda namorava com ela, teve em um curto período a maior alegria e a maior tristeza que um coração pode aguentar.

Tudo porque ele era loucamente apaixonado por ela. E um dia, no relacionamento estável e nada rotineiro que tinha, teve a certeza. Saiu pelas ruas e entrou na joalheria mais bonita que conhecia. Não poderia ser mais ou menos. Tinha que ser tudo perfeito! Assim como sua amada era para ele.

Dias após, pela manhã, acordou antes que ela. Pensou em todos os detalhes: uma bandeija bonita, em madeira bruta, sustentava a refeição preferida dela. Umas flores coloridas adornavam os entornos da porcelana. Ela ia adorar! Tinha certeza.

Acordou-a, então, e propiciou o momento mais romântico da vida dos dois. Pediu-a em casamento com um discurso tão clichê que não haveria ninguém no mundo a critica-lo. Ela, emocionada, aceitou com um "sim" sem dramas. Direta, ansiosa, desesperada, apaixonada.
Começava o primeiro dia do felizes para sempre.

Nem em um

Às sempre eu me pego pensando em "um dia ainda..."...
Fantasio um monte de coisas, nomes, lugares e tempos.
Lembro de registrar os momentos que nem aconteceram.
Pra ver se, de repente, vira verdade.

E então eu percebo cores, sons e luzes.
Imagino sabores, medos e desejos.
Escolho a roupa, os brincos e penso no beijo.

Mas tem vezes que funciona a intuição.
Quando percebo já derramei uns versos
Já esqueci de travar a emoção.
E esqueço, principalmente, que sentir nem sempre faz bem.
Que sempre há uma exceção.
Mas que nunca deve haver a submissão.

E que a rejeição
Seja apenas engrenagem de um
Que não tem movimento,
Ou tem obverdose de razão
Quando na vida tem horas
Que o certo é apenas dar a mão.

Errar é humano

Se errar é humano
E eu perdoo,
Será que sou humana?

Se errar é humano
E eu perdoo,
Perdoar também é humano?

Se errar é humano
E eu perdoo,
É possível errar mais de uma vez?

Se errar é humano
E eu perdoo,
É possível perdoar mais de uma vez?

Se errar é tão humano
Quanto eu perdoo,
Erro a absolvição?

Se errar é tão humano
Que perdoo sempre
Mesmo sem saber se erro.

terça-feira, 24 de março de 2009

Até quanto

Eu sabia: dessa vez seria diferente. Dessa vez eu não enfiaria os pés pelas mãos. Eu cederia minhas mãos a tudo. Eu tinha certeza. Eu conseguiria. Não seria igual a nada na vida. Poderia até não ser como em outras vezes, mas era esse porém que me dava ainda mais vontade de contiuar. Eu iria fazer diferente.
Em outros planos, eu faria de tudo. Não meçaria o limite. Não diria menos do que a vontade. Não perderia a lua das mãos.
Não. Dessa vez não.

E foi então o que fiz. Não fui além quando achei que não deveria. Não segurei até sangrar meus dedos. Não corri mais do que meu fôlego aguentaria. Me afastei em horas mais até do que queria. Li nos folhetins e imitei o que os oráculos me diziam. Escutei amigos, amantes e a família.
Escrevi menos poesia. Ignorei um pouco a nostalgia.

Hoje, bem lá no fundo, de nada adiantou tanta teoria. Descobri, em meio a tanta melancolia, o que nesse mundo ninguém gostaria: às vezes é como um encanto e sua magia.
E não existe fórmula para o até quanto.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Mais uma tarde na UFRJ

Que orgulho! Estudar na UFRJ! A antiga Universidade do Brasil!
Mesmo quando resolvi voltar à estaca zero, após me formar em Publicidade na PUC, pensei que poderia aprender muitas coisas novas. Cursar Letras numa das maiores faculdades do país e ainda por cima de graça (!) parecia um sonho! O fato é que, cursar, propriamente dito, não tem sido o melhor verbo para definir o que eu faço por aqui.

Após duas semanas de aula, vim para o Fundão - aliás, nome excelente para especificar o que se passa por aqui, que explico depois. Este período já começou e eu ainda me encontro na aparente impossível tarefa de descobrir qual é a minha sala de aula de minha única matéria (porque o SIGA - sistema online para matrículas etc - só me deixou inscrever-me em uma). Então, cá estou à toa no Fundão. O meu prédio nem é lá tãão grande, mas é que a organização é uma palavra que não existe por aqui. Provável que tenha sido retirada do vocabulário. Será que foi o acordo ortográfico?

Meus professores diriam que isso não tem nada a ver. Mas eu não sei onde eles estão pra ter essa certeza.

A única certeza que eu tenho é que neste terreno longíquo e semi-baldio, de clima único e não-encontrado em nenhum outro lugar e de ventilação fétida da super Baía de Guanabara, realmente aprendi algo útil.

Em 2 semanas eu aprendi a suportar a condição física daqui, de corpos suados no verão, outono e primavera, aprendi a pagar o valor de R$3,00 por uma latinha semi-quente de coca-cola light e a ter tolerância, MUITA tolerância.

Em 3 semanas anda me encontro no trabalho de detetive tentando investigar a minha sala e rastrear meu professor, que eu nunca vi na vida. Já fiz até um retrato falado.
Enquanto cada departamento (para ser bem burocrático tem que ter vááários! E aqui tem um bando!) dá a sua versão para o paradeiro da minha aula, aguardo sentada ao lado da Pretinha - vira-lata-mascote - escrevendo uns rabiscos como este.

Pois, enquanto o Sr Pai de Todos Google não me ajuda, me resta sentar e assitir os dias virarem noites nesta terra de ninguém.

terça-feira, 17 de março de 2009

Roupa branca

Eu espero esse dia
Como explicação para a dor
Em um silêncio de roupa branca.
Enquanto visto minhas artimanhas
Na ansiedade de ainda ver
Em outro hemisfério o sol se pôr.

Galhos

Onde vai parar essa fuga?
Tudo escapa como vento das mãos.
Será que tentei agarrar o erro,
Ou foi apenas mais uma luta
Que terminou em vão?

Já nem poetiso como antes
Quando o medo era menor que a razão.
Perdi toda a consciência
E fingi ser dura labuta
Um sonho fadado à ilusão.

De tantos em muitos galhos,
Procurei encontrar uma posição
Onde desse para observar tudo
E, das alturas, não correr o risco
De, de repente, cair de cara no chão.

Enquanto isso, brinco com rimas.

terça-feira, 10 de março de 2009

Tempo

Quando olhou para o relógio, se deu conta. Ainda precisaria esperar muito. Nem contou os minutos para que sua agonia não ficasse mais expressiva. A sua hora iria chegar, ele sabia. Mas a vontade era tanta que tinha até medo do que poderia acontecer. Colocou os fones nos ouvidos e buscou uma estação qualquer. Apenas umas músicas azuis, uns falatórios de quem não tem o que dizer e uma reportagem sobre um acidente de trânsito.

Nevava pela primeira vez em 63 anos. Ele, com 29, não tinha tido ainda o desprazer de um inverno como aquele. No frio, sua espera tornava-se mais insuportável e, mesmo de ceroulas e luvas, não conseguia conservar o seu calor em seu corpo. Até porque, o pouco que tinha estava concentrado por seus sentimentos.

Mais cedo, naquele dia, pensou sobre sua vida. Faria 30 anos em breve e não queria transportar para a nova casa decimal os receios de sua juventude.

Tateou os blosos à procura e encontrou um único charuto. Puxou e acendeu como quem pede calma à paciência. Tudo estava por vir.

O entardecer previa que a noite adormeceria mais cedo. Ele, ainda sem coragem para consultar o relógio outra vez, sentou-se na calçada seca mais próxima. Subiu três degraus e achou-se na entrada do centro cultural. Dali ele poderia ver o momento chegar.

A cidade parecia parada. Aquele clima não lhe pertencia. Era como se um intruso, um vírus, um niño tivesse se instalado sem pedir licença e sentado ao seu lado.

Um tempo depois ouviu um barulhos. Na sua calçada já havia um homem e um grupo de amigos animados. O homem levantou-se e partiu. Deviaele partir também e desistir da espera? Aquele frio o expulsava. Mas como poderia abandona sua maior expectativa?

E então, no meio de seu devaneio, ouviu uma vozlhe chamar. Apagou o charuto, levantou-se e partiu. Sem mais esperar.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Obsessão

Era sua última flha do caderno. Se não conseguisse exprimir tudo o que sentia naquelas pautas, nunca mais teria outra oportnidade. O grafite quebrava a toda hora, tamanha era a força de seus movimentos. Aquilo nunca lhe acontecia.

Escritor desde os 22 anos, ele agora com 47 parecia ter esquecido como era escrever. Tentou lembrar-se de clichês, de Shakespeare ou de qualquer filme bobo para garotas. Não. Suas idéias não vinham. Ele realmente estava diferente.
Quando se apaixonou, dessa vez por uma ninfeta de 18 anos, não tinha imaginado que seria tão difícil mantê-la sob seus braços.

Olhou para seus músculos. Talvez fossem o motivo dela. Já não eramais garoto e, apesar de ter mantido a vaidade por todos esses anos, sabia: não era páreo para as novas concorrências. Ela estava traindo-o. Estava convicto, certo, de suas especulações.

Tomado por um ciúmes incontrolável, ele fez um papel ridículo logo no primeiro churrasco da faculdade de engenharia, à qual ela havia recém ingressado. Aquele monte de jovens bêbados tentava se aproximar de sua morena como cachorro atrás de frango. No som, tocava um desses "proibidões" do funk e todos rebolavam até o chão como se fosse uma dança de acasalamento. Puxou-a com raiva de dentro da roda e ouvi-se um coro confuso de indignação. Morena, mais bêbada do que ele jamais havia visto, nem se dava conta do assédio.

- O que você tá fazendo, Morena?

- Me larga! VocÊ tá me machucando!

Uma discussão calorosa tomou conta da festa. Barraco digno de novela das oito com a Suzana Vieira. O vermelho tomava os rostos dos dois enquanto a obsessão extravasava da razão. Ele só parou de gritar com ela quando ouviu um qualquer:

- Ô, tio! Não precisa gritar assim. Tá todo mundo se comportando aqui!

Mal ouviu a interrupção e já saiu voando pra cima do garoto. Nem percebeu que morena tentava intervir.

Pow. O nariz de morena sangrava. Suor e sangue numa pintura poética de um desastre que ele nem tivera tempo para prever.
O mais forte da trupe ameaçou revidar, mas foi segurado por outros. O "tio" saiu dali ainda ouvindo o choro de morena. Sem ter aonde ir, no entanto, sentou-se do outro lado da rua, na calçada, à espera de poder ao menos pronunciar um pedido de desculpas. Envergonhado, nem o havia feito.

Foram os 5 minutos mais longos de sua vida. Morena desceu acompanhada por um casal e não lhe dirigiu nada além de um olhar de fúria e reprovação. Ela também se sentia humilhada.

Dias depois, quando tentava se redimir e após gastar 97 folhas do "caderno pautado - uma matéria - 98 folhas brancas" em vão, entendeu. Com a mão ainda inchada pelo incidente, sabia que não haveura mais volta. Ela também deveria estar inchada. Rasgou a última folha em branco e enfiou a mão num balde de gelo.

quarta-feira, 4 de março de 2009

O jovem e a lagoa

Levantou às 5h da manhã. Não era preciso acordar mais cedo. Morava à beira de seu sustento.
Requentou o café da noite anterior. Não tinha muitas frescuras. Da geladeira, pegou um sanduíche e uma maçã, além de uma garrafa d'água.

Os dias não tem sido bons. Na época de seus pais, a fartura não era excessão. Agora, se conseguisse um peixe para o jantar já se davapor satisfeito.

Às 6h, seu companheiro chegou de barco à sua casa. Havia meses que o seu estava quebrado. Mas, sem uma boa pescaria, por enquanto tinha apenas metade do dinheiro necessário para consertá-lo.

Colocou suas coisas no barco, pegou as iscas, enterrou-as no isopor repleto de gelo. Seu amigo haia deixado tudo preparado, pensou.
Umas poucas remadas e eles já estavam longe de casa.

Aquela lagoa lhe parecia maior. Mas, hoje, talvez, pela quantidade de poeira elixo, ou apenas pela recordação infantil, havia menos água por ali. Remaram um pouco mais. De um lado, um, e do outro, o outro, esticaram a rede, tantas vezes remendada, e lançaram-na. Como em uma dança, em um teatro mímico, nenhuma palavra foi proferida. Olharam juntos para o afundar das cordas, contaam o tempo em silêncio:

"1, 2, 3, 4, 5"

Puxaram a rede para a superfície. Umas algas de água doce presas à trama nem lhes enganaram. Nenhum peixe. De costume.

Retiraram-nas e lançaram a rede novamente à submersão.

...
A manhã foi passando nesse tão usual exercício. E a inexistência de resultados às vezes o fazia crer que o ofício de pescador era coisa do passado. Assim como outras profissões haviam sido extintas, os pescadores, e os peixes da lagoa, também estavam.
Passav das 12h quando decidiram almoçar. Ancoraram o pequeno barco sob uma árvore e comeram suas provisões. Lembrou-se do tempo de seu pais, quando comia peixes frescos, recém assados sob aquela mesma sombra.
- É... Os tempos eram bons... - disse o amigo, assustando-o com a sua telepatia inesperada.
Percebeu-se outra vez espantado. Seus olhos estavam cheios d'água. Mais água do que jamais lhe caíra antes.
Telepatia era outra coisa que não havia por ali.
Enxugou o rosto com vergonha e engoliu o que restava de comida em suas mãos.
Pescar era um trabalho para os fortes, os pacientes. Os saudosistas?! Esses é que ficassem à beira contemplando uma lagoa que brilhara sob o sol de outras tardes.
Enquanto o sol se punha, os remadores treinavam, corredores se aglomeravam na ciclovia e ele e seu amigo lançavam a rede em uma nova tentativa.
O mesmo efeito para o mesmo ritual.
E, então, ao fnal de uma jornada de poucos metros cúbicos e muito silêncio, percebeu que nem todos os dias lhe trazem peixes. Retornaria à sua casa.
Ao amigo, agradeceu pela companhia sem expressar som. Nada mais era necessário dizer essa noite.
Amanhã, quem sabe, a maré encherá a lagoa. E os peixes, talvez, venham banhar-se em sua rede.

Efemeridades da vaidade - A viagem

Ele chegou em casa e a encontrou na cozinha.

- Eu tava pensando sobre o qe você me disse ontem. E, sei lá...Você deveria viajar... Sair por aí... Sei lá, ir pra Espanha...

Quando disse isso, mal ele sabia que esse era o destino dela.

- Mas, e a gente?

- A gente, ué... Sei lá.. O que tem a gente?

- Ué... Eu também não sei. A sugestã foi sua.

Ela jogou toda a culpa de uma suposta crise na relação por causa da sugestão dele. No entanto, com a passagem comprada havia dois meses, a dúvida não era sobre o que seria deles, mas sim o que seria dela quando tivesse que voltar à realidade.

- Olha... Eu quero ser compreensivo. Você vive reclamando que eu não entendo os seus problemas. Pois, então! Vá viajar, ver o mundo! Novas experiências vão te ajudar.

- É que... Sei lá, sabe!

- Não...não sei, não! Você tá com medo do quê?

- Eu? Só to insegura... Só isso...

Quando comprou a passagem, ela sabia que haveria consequências. Tanto as boas, quanto as más. E agora, cara a cara com o momento menos aguardado do século, já não sabia mais de nada. Seria a sugestão dele uma maneira educada de dizer "ei, não te quero mais!"?

- Insegura com o que?

- Sei lá...Você vira do nada e me manda ir pra Espanha assim, sem mais nem menos!

- Mas, meu amor, você sabe qe eu não posso viajar com você... E, além do mais, você sempre diz que para ser uma escritora tem que gostar de sua própria solidão. Nada mais justo você

- Nada mais justo, o que? Eu passar um ano sozinhaem Barcelona? E deixar você aqui, pra ir passar um Canaval de 365 dias sabe deus onde?

Ela adorava virar o jogo. Se livrar da culpa por decidido algo que não saberia se seria capaz de arcar. Era uma mania egocêntrica. Ou talvez apenas inconsequente. Sem tremas.

- Você me tira do sério.

- Se você quer acabar comigo, vira e fala logo de uma vez! Que aí eu vou mesmo pra Espanha enquanto vcê vai pra

- Cuidado! Cuidado cm o que você vai me falar... Já discutimos isso antes!

- Por que? Você vai gritar comigo? Vai me bater?

- Não. Mas pode ser o fim.

- Tá vendo!! Depois eu é que sou estressada! Ou como você prefere dizer, NEURÓTICA! Se queria acabar comigo, tá conseguindo. Porque eu é que não vou mais tolerar isso!

- Isso?! Um cara que pense no que é mehor pra você mesmo que não seja melhor pra si mesmo?

- Eu simplesmente a-d-o-r-o quando você se faz de bom samaritano!

- Debochada.

- Xinga, vai! Pooooode xinga! Porque no fundo essa sua atitude de hoje só mostra o tipo de homem que e NÃO levaria comigo pra Espanha!

- Você fala até como se já tivesse decidido ir.

- Pois fique sabendo que eu já decidi, sim! E muito antes de ter que participar dessa crônica em tempo rea!

- Você é

- Fala! Engoliu a língua?

Ela respira. Ele respira. Os dois bufam. Em silêncio. Ele abre a boca, mas não fala. Abre de novo. Toma coragem e continua:

- Hunpf, amor. Amôor...

- Que é?

- Eu não quero que você pra Espanha... Eu só estava tendando ajudar. Você sabe que você é a mulher da minha vida.

- Tarde demais.

Ela sai enfurecida, mas um tanto quanto feliz. Fora da cozinha, na sala, suas malas a aguardavam.
O interfone toca e ele atende.

- Sr. Alfredo, já posso subir pra pegar as malas? O taxi tá aqui embaixo.

- Taxi?

Alfredo chuta a porta da cozinha e vê, na sala, apenas um lenço branco no chão.