segunda-feira, 30 de março de 2009

Ainda, mas nada

Quando ele ressurgiu, meses depois daquele dia, eu gelei. O telefone tocou e a foto apareceu no visor. Era um amigo dele.

- Você tem visto o Pedro?

Fiquei meio sem jeito. Eu não sabia do Pedro desde que havíamos discutido pela última vez. Ele estava fora da minha vida, ao menos fisicamente.

- Não.

Fui seca. ão por raiva ou ressentimentos, mas por receio de demosntrar um resquício qualquer de emoção.

- Hum - ele continuou - É que amanhã é aniversário dele e...

- Ah, sim. Já tinha me esquecido.

Como se eu fosse capaz de esquecer. Às vezes eu detesto a minha memória. Tenho vontade de enfiar uma borracha pelo ouvido e apagar un fatos, datas e dados do meu cérebro.

- Pois, então. A gente tá organizando uma festa surpresa. Vai ser aqui em casa, às oito.

- Sei... Mas...

- Mas, o quê? Eu sei que você é uma pessoa madura e pode muito bem confraternizar com ele sem problemas... Tem tempo.

Golpe baixo. O amigo, publicitário de uma importante agência, sabia convencer alguém pelo ego. Aliás, foi com essa técnica que apresentou-me o Pedro, anos atrás.

- Guilherme...

- Ótimo! Te espero lá. Beijos - ele desligou.

Ainda fiquei uns minutos parada dentro do carro no estacionamento do trabalho. A hipótese de encontrar o Pedro me deixou completamente nervosa. Sentia meu corpo tremer como quando fazia minhas primeiras entrevistas coletivas. Hoje, pessoa pública com livros traduzidos em oito línguas, não entendia aquela ansiedade. Mas sabia que era preciso comprar uma roupa nova.

Cheguei em casa após comprar uma saia e uma blusa sociais, no estilo executiva, "mulher ocupada". Não conseguia dormir. Duas horas de palavas cruzadas depois, embalei no sono.

...

Às sete da noite do dia da festa eu já havia encerrado meu expediente. Dali para a casa do Gui seriam apenas 15 minutos. Passar em casa antes, no entanto, não era uma opção. A minha maturidade se limtava a ter empre uma boa desculpa como "preciso ir. Estou tão cansada! Nem tive tempo de tomar um banho antes de vir para cá". Pronto. Em caso de pane, a saída de emergência abrirá automaticamente.

Cheguei lá às 21h, depois de comprar uma garrafa de Grey Goose de presente. Entrei na cobertura. Uma mesa de frios, sanduíches e petiscos estava convidativa, mas eu mal conseguiachegar perto. Um enjoo me atacava.

Procurando por Pedro, deparei-me com o João. Nos cumprimentamos corados e trocávamos frases prontas quando Pedro apareceu.

- Oi, Pedro. Parabéns. Trouxe para você.

Virei de costas sem ouvir resposta. Me dirigi ao bar e virei um copo qualquer. Ele veio atrás.

- Fernanda, obrigado. Minha vodka preferida.

- De nada.

- Quanto tempo... Você está bonita. - disse, seco, contendo-se ao máximo.

- De onde você conhece o João?

- Ele está trabalhando comigo. Entrou há´pouco tempo. Por quê?

- Nada. Nada. Besteira, nada... - nervoooosa.

Ele percebeu. Estava estampado na minha testa.

- Quando foi, Fernanda? Fala logo.

- A gente não tinha mais nada. E você nem conhecia ele ainda. Relaxa.

- Relaxa???? -ele ria sem graça, não ria, ria sem graça, não ria...

- Nem foi nada demais...

Ele saiu e me deixou ali, sozinha. Virei mais um copo. De longe ele ficava me encarando, como se a conversa dele estivesse animadíssima. Fingia risos pateticamente.
Desorientada, fui para a varanda tomar um ar. Olhei no relógio. Eram nove e vinte. Em tão pouco tempo eu já tinha sido capaz de fazer muito.

- Fernanda?

- Guiherme! - alívio!

- Sozinha aqui fora, por quê?

- Eu sabia que não deveria vir hoje.

- Ahn?

- O Pedro tá irritado. Eu tive um caso com o João. Ele descobriu e se irritou.

- Mas, como? Quando?

- Ai, Gui... Que diferença faz? Você sabe como é o Pedro. Desconfia de tudo e depois quer voltar atrás. Pede desculpas e acha que tá tudo bem. Não entendo. Ele que terminou comigo. Ele que me humlhou e pediu que eu não procurasse mais por ele. Por que você me convidou, hein? Nem sei como eu ainda...

- Mas o Pedro também...

O Pedro entrou na varanda. Abaixei a cabeça.

- A campainha tá tocando - Guilerme saiu.

- Pedro

- Fernanda, eu...

Ele se aproximou e eu recuei. O que diabos ele quer? Um felizes para sempre? Depois de tudo?

- Fernanda, eu t...

Ele não conseguia verbalizar. Não saía. Eu queria ouvir que ele ainda sente o mesmo, que tá arrependido de muito. Queria provar que todos os clichês fazem sentido.

- Desculpa. Eu ainda... Você? Eu, ainda.

E clou-se. Fechou a boca, olhou para baixo, apertou os olhos. Eu adorava quando ele apertava os olhos daquele jeito. Parecia que quando os abrisse novamente, tudo ao redor desapareceria e seria só nós. Nós e aquele sorriso. E o meu sorriso.
Mas dessa vez, não. Abriu os olhos, olhou nos meus e calou-se de novo. Calou-se repetidas vezes, mesmo em um silêncio contínuo, conseguia calar-se em múltiplos.

Ainda encarei por um tempo os seus olhos. E, nada.
Peguei minha bolsa atrás de mim. Olhei nos olhos dele. Lá no fundo.

- Preciso ir. Estou tão cansada! Nem tive tempo de tomar um banho antes de vir para cá. - consegui exprimir.

No caminho, empalmei uns sanduíches, chamei o elevador e bati a porta. Fim.