quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Cronicando as lentes

Eu tinha um óculos escuros. Mas não daqueles que se vê por ai, não. Era um óculos cheio de historias, composto de emoções, cicatrizes e torções. Ele era meu xodó, meu inseparável companheiro naqueles dias mais radiantes que o suportável, e também naqueles dias quando a noite anterior tentava mostras seus êxitos e fracassos.
Enfim, eu me sentia completa quando vestia (sim, vestia) aqueles óculos, aquela personagem.

Um certo dia, porem, a gente se separou. Não por desejo ou por fim de carreira de um de nós, mas por uma imensa falta de atenção e desleixo, em um dia no qual os raios já não mais feriam meus olhos.
Deixei ele de lado por apenas um súbito momento - creia eu, mas que se mostrou o fim, o desfecho de uma era de plenitude.

Após o tempo devido de luto e de intolerância ao sol, sai para comprar um substituto qualquer que pelo menos me livrasse das agruras físicas.
Cheguei, então, ao mesmo berçário e me conduzi a seção de semelhantes.
Provei um...usei outro...gostei de alguns. Mas nenhum deles me vestiu. Eu estava à beira de uma desistência quando me deparei com uma daquelas tentativas de persuasão.

Não compreendo que táticas são utilizadas por tais locutoras, mas pra mim elas não surtem efeito algum. A promiscuidade em torno de um objeto material não deveria ser vendida assim. Cada um é um ser único e, portanto, cada óculos só lhe cairá bem se também for único e dependente de suas características próprias.

Mas deixando de lado a total ausência de habilidade da vendedora, continuei minha procura. Por um dado momento, pensei ter encontrado meu próximo companheiro - ainda que não a altura do anterior. Estava mirando se tal par de lentes côncavas (ou convexas...não estudei isso em física) poderia me conceder o conforto que eu buscava quando, novamente, me vem a já intragável criatura totalmente despida da consciência afetiva que pode haver entre uma pessoa e seus óculos.
Me disse que o tal óculos em meu rosto possuía inúmeras especificidades: pintado à mão (?!), caixa feita à mão com relevos "super modernos" e que só O acompanhavam e um preço ótimo: R$150,00.

Passei a refletir sobre a idéia da individualidade de que aquele talvez futuro xodó estaria provido, quando ressurge o surreal e chato parlatório daquela merda de vendedora:
- Se você não gostou desse, eu posso te amostrar outros...

Neste dia ensolarado, escrevo em meu caderno e sinto meus olhos, ainda desnudos, fugirem da luminosidade esperando um próximo escudo.

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