Ele lia calmamente. Apenas intercalava a leitura a uns tragos no cigarro. Batia a cinza suavemente e outra vez se concentrava no livro. Eu tinha reparado logo de cara. Ele tinha, assim, um brilho em algum lugar. Mas achei que tinha sido só pelo esbarrão que demos no saguão do hotel.
Eu vinha de um lado, ele na direção oposta e... pá! Demos de cara e ficamos sem graça. O elevador estava no último andar e o calor me deixava mais tensa do que de costume. Ele olhava disfarçadamente, de rabo de olho e com o queixo abaixado.
A gringa entrou primeiro. Eu fingi uma distração e ele foi entrando também. Depois a gringa apertou o andar. Eu me encolhi junto aos botões.
- Licença - ele disse cheio de charme com um sotaque que, imagino eu, era de Minas.
Subi nervosa até o quarto andar. A gringa saiu engolindo a casquinha derretida do Mc Donalds.
Até o sétimo seria apenas uns 20 segundos. Não consegui esboçar nada... Joguei um charminho pelo espelho, fingi procurar algo na bolsa, balançando o cabelo e segurando o óculos com a haste na boca.
Ele olhou de rabo de olho e queixo abaixado...
...
A piscina estava uma delícia. Deitei na espreguiçadeira, liguei o fone e relembrei bons momentos.
O sol torrava meu corpo e eu apenas relaxava despreocupada.
Passei uma hora assim, ou até mais. Nem sei. Levantei para ir ao banheiro e me deparei com o título: "A insustentável leveza do ser".
Voltei do banheiro e o vi ali. Sentadinho num canto, espremido entre as plantas, ignorando o mundo ao redor.
Olhei de novo.
- Oi.
- Oi.
- Hum... "A insustentável leveza do ser"!
- É...! Você já?
- Já. Algumas vezes. Gosto muito. Milan Kundera. Grande escritor. Foi proibido e tudo.
- É! Você conhece?
- Sim. To lendo um outro dele. Esqueci o nome agora. Dei um tempo porque fiquei chateada com o final da história do cara com a menina... Dei um tempo...
- Sei...
Nossa! Eu nervosa falava muito. Não continha nada. Tentava me conter, mas era difícil.
- Você não é daqui...
- Não. Sou de
- Sei... E você tá lendo Milan Kundera.
- É! Hehehe... Muito bom.
- De capa dura! Para poucos... Adoro homens de capa dura.
Ops! Livros, ai, deus, desculpa, pensei em dizer. Mas não deu tempo. Ele ria graciosamente.
...
- Você não quer?
- Hum... depois do livro, lógico!
- Esse livro tem história...
- Tem mesmo. Pra todos, né!
- É...! A sua...?
- Talvez diferente da sua. Não tem capa dura...
- Hahahaha. Você quer?
- Hum... Vamos?
...
Descobri que é na insustentável leveza desse ser, parafraseando Milan Kundera, que a gente reconhece as ironias do destino, capazes de sustentar o peso da vida. Às vezes a sério, às vezes de brincadeira.
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