O meu maior medo é o da dependência. Ser capaz de emancipar-me de meu próprio pertencimento é uma tarefa difícil. Sendo sozinha posso ser única, posso mostrar minha desvirtuosidade apenas para minha mente. Não preciso passar por julgamentos e juízos de valor de um outro que, provavelmente, nunca será capaz de compreender minha fraqueza. Mostrar quem eu sou ou quem eu gostaria de ser se pudesse me desprender da ética e da moral a que sou submetida com ou sem meu consentimento é me entregar à imperfeição humana.
Agir com destreza é minha máxima, minha lei de vida. Uma das frases mais importantes proclamada pelos judeus è a que diz: "Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que minha destra perca sua destreza". Esse juramento é a sobreposição de Jerusalém ao erro humano do esquecimento. Eu estou disposta a esquecer "Jerusalém", mas não de afirmar e reconhecer meu erro do esquecimento. A minha punição não seria perder minha destreza, mas sim lidar com a declaração: esqueci.
O meu juramento não aceita quebras, rupturas. Portanto, se eu assumo que sou uma, continuarei sendo de tal modo. A mudança de quem eu sou se dá através do contato íntimo e intenso com o outro. Mas se o outro se aproxima de quem eu sou, ele se aproxima da matriz do meu eu. Porém, ao se embrenhar no meu âmago, acaba por perceber que talvez o meu eu exposto seja o meu eu de exposição, e não o meu eu influenciado pela presença alheia.
O espelho também serve como ruptura. O espelho olha com olhos próprios o que quem se reflete julga ser de ângulo único. A linearidade que o espelho corrompo transpõe em imagens a idéia de um ser estético. Não que a estética seja de fato relevante, mas o conhecimento que se tem dela o é. A forma física não interessa. Interessa o reconhecimento de sua estrutura. E, se para ver melhor é preciso ver de vários ângulos, talvez eu prefira permanecer cega de mim mesma e feliz com a fugaz imaginação de quem eu sou.
Sendo assim, esquecer de Jerusalém é desconsiderar quem no fundo eu me propus ser. E, se me fiz certa proposta, defenderei com todas as garras e em todos os ângulos a minha fronteira. Assim ninguém nunca será capaz de destruir e de destituir-me da única certeza que eu tenho.
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